em risco de extenção peixes e arroz

EM RISCO DE EXTINÇÃO

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Os “peixes anuais” – que estão sempre presentes, embora não os vejamos – fazem parte da harmonia natural, pois tudo o que existe está relacionado entre si.

Um dia, na minha infância, em um campo em frente à minha casa, onde jogávamos futebol todos os dias (especialmente quando chovia), vivenciei pela primeira vez a conhecida “chuva de peixes”. Mal poderia imaginar que décadas depois eu compartilharia com vocês a notícia de que não se tratava de um milagre celestial, mas apenas de uma ocorrência natural e periódica em nossa região de planície levemente ondulada.

Certamente alguns leitores nunca ouviram falar deles; outros talvez já os conheçam, mas nesta oportunidade vamos analisar sua situação atual e a importância desses peixes (da família rivulidae e do gênero austrolebia) que habitam corpos d’água temporários na América do Sul e na África, para o ecossistema natural em que vivemos.

De acordo com a Revista ProBiota, da Universidad Nacional de La Plata (UNLA), “as madrecitas de agua e as cinolebias pertencem à ordem Cyprinodontiformes, que na Argentina inclui três famílias: Anablepidae, Poeciliidae e Rivulidae, amplamente distribuídas na região paranoplatense”.

“Dentro da família Rivulidae, os gêneros Austrolebias e Megalebias são o único caso de “peixes anuais” na fauna argentina, ou seja, espécies com um ciclo de vida curto, adaptadas para sobreviver em águas temporárias. São pequenos peixes de água doce, muito chamativos por sua cor e biologia, frequentemente utilizados na aquicultura”. (1)

Isso demonstra a relevância desse pequeno ser vivo, bem como seu estudo, conservação e preservação para a biodiversidade da região, por meio de normas legais e marcos de ação definidos para esse fim, uma vez que grande parte de sua presença ocorre na área da Reserva RAMASAR, entre os pântanos e brejos do bioma pampeano e a Mata Atlântica.

Segundo a Dra. Nibia Berois, Pesquisadora Grau 4 do Programa para o Desenvolvimento das Ciências Básicas (PEDECIBA) Biologia e Professora Agrícola do Instituto de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade da República, “aqueles popularmente conhecidos como “peixes que caem das nuvens”, possuem embriões que entram em parada de desenvolvimento (diapausa). Nesses estados de latência, eles resistem às condições de dessecação do verão, ficando enterrados no fundo da piscina. O desenvolvimento final e a eclosão ocorrem na estação úmida seguinte, quando as chuvas enchem novamente as piscinas temporárias”. (2)

Os peixes anuais ou teleósteos (uma infraclasse de peixes ósseos com muito pouca cartilagem) ocorrem em ambientes extremamente variáveis e têm vida curta. Sua fertilização ocorre em grandes poços ou poços criados nas áreas mais baixas do campo, razão pela qual são hoje uma espécie endêmica e ameaçada de extinção, não só por causa da secagem de áreas úmidas para a agricultura e a pecuária, mas também por causa da crescente urbanização em áreas suburbanas onde poderiam ser encontrados.

O jornal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) informa que, entre 2004 e 2009, de acordo com um estudo de campo realizado na região da fronteira com o Uruguai, “foram registradas quatro espécies: Austrolebias charrua Costa e Cheffe, Austrolebias luteofl ammulatus (Vaz-Ferreira, Sierra-de-Soriano e Scaglia-de-Paulete), Austrolebias prognathus (Amato) e Cynopoecilus melanotaenia (Regan), capturadas em 14 pontos de amostragem diferentes, distribuídos nas várzeas dos córregos Chuí e São Miguel, e marginais à estrada da Barra do Chuí.”

“Todos os locais onde foram registradas populações de peixes anuais no Chuí foram alterados por alguma forma de atividade antropogênica, principalmente o cultivo de arroz – que não necessariamente deve estar em contradição com a produção de peixes – e o pisoteio do gado. A principal área de ocorrência de peixes anuais no município, e a mais relevante para a conservação, está localizada nas várzeas do córrego Chuí, e a pesquisa tem como objetivo divulgar dados sobre a ocorrência, distribuição e conservação de peixes anuais no município de Chuí.” (3)

Por suas características, essa espécie “é considerada um modelo biológico para inúmeras disciplinas científicas; para estudos de envelhecimento, efeitos de drogas, pois é difícil encontrar invertebrados com um ciclo de vida tão curto que permita esse tipo de estudo”, disse Esteban Krause Lanés, Coordenador Técnico do Instituto Pró-Pampa (Universidade do Vale dos Sinos UNISINOS) ao economista, biólogo e apresentador Richard Rasmussen.

Biologo Rafael PorciunculaPerguntado sobre qual é a situação atual na região sul o Biólogo Rafael Porciuncula, do Municipio de Chuí, Brasil, expressou: “Os peixes Rivulídeos correspondem a um grupo de peixes de extrema importância biológica e ecológica. A sua grande importância biológica é decorrente para os estudos de especiação, ou seja, pesquisas científicas sobre o surgimento de novas espécies. Por apresentarem um ciclo de vida tão curto, e terem a capacidade de viver em pequenos charcos isolados, novas espécies surgem em um curto espaço de tempo quando comparado com a grande maioria das espécies. Já sua importância ecológica é referente ao fato de serem um excelente bioindicador da sanidade ambiental dos locais nos quais esses peixes são encontrados. São animais com uma alta sensibilidade à poluição ambiental promovida principalmente por agentes que químicos como pesticidas, herbicidas e derivados de petróleo. Você pode ter certeza que a água onde esses peixes são encontrados apresenta altíssima qualidade ambiental”.

Para ele “o grande vilão das espécies de Rivulídeos se trata da desfragmentação de habitats, promovidas principalmente pela agricultura e a urbanização. A preparação da terra para o plantio somada com os grandes volumes de pesticidas e herbicidas, utilizados nos processos agrícolas, diminuem drasticamente a qualidade ambiental, e com isso promovem o desaparecimento de populações inteiras desses peixes. Já o processo desenfreado, e muito desorganizado, da urbanização promove o soterramento dos pequenos charcos onde vivem esses animais, e com isso a ocupação de espaços “vazios” para atender a alta demanda da construção dos necessários lares à nossa crescente população humana, tem contribuído de forma significativa para o desaparecimento dos peixes anuais. Não é à toa que atualmente encontramos um grande número de representantes do gênero Austrolebias nas listas de espécies ameaçadas de extinção”.

Por isso, “para tentar frear o intenso processo de desaparecimento de população de peixes anuais, medidas de controle da utilização de poluentes químicos devem ser intensificadas. Uma maior regulamentação, e a proibição da utilização de muitos agentes químicos, deve acontecer a nível mundial, par diminuir o processo de extinção não só dos peixes anuais, como de todos os seres vivos. Além disso, os processos de licenciamento ambiental para as diferentes formas de exploração dos recursos naturais devem sempre levar em consideração a possibilidade de impacto sobre as populações de peixes Rivulídeos existente. Somente com muita pesquisa científica, divulgação dos conhecimentos adquiridos, e um intenso trabalho de educação ambiental sobre a população humanas teremos chances de reverter esse drástico cenário atual em que se encontram os peixes anuais.”

peces anuales

Portanto, seria bom criar unidades de conservação que contemplem as várzeas, pois isso ajudaria a garantir a viabilidade e a conservação das principais populações de peixes anuais que ocorrem na região, podendo até incentivar a aquicultura de outras espécies nas proximidades de cursos d’água menos poluídos, gerando novos empregos, promovendo uma alimentação mais saudável e reduzindo a poluição ao liberar mais carbono nas águas, contribuindo para o sequestro de CO2 das emissões globais e tentando alcançar a harmonia natural, pois tudo o que existe está relacionado entre si.

Richar Enry Ferreira

Imagens: Fernando Marques Quintela

Fontes:

http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/88614

https://blogs.ceibal.edu.uy/formacion/que-es-un-pez-anual/

https://periodicos.ufsc.br/index.php/biotemas/article/view/2175-7925.2010v23n4p51

 

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Produtor e documentalista, investigador, escritor, jornalista e amigo da natureza.

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