E AGORA A CULPA É DAS CHUVAS

PRESS WORKERS

Essa negligência com o meio ambiente e a desconsideração

aos relatórios técnicos (por 20 anos),

não foi por acaso.

Costuma-se dizer que o governo que faz o que a maioria não gosta chegou lá pela força, contra a vontade do povo, mas é preciso lembrar que esses governantes atuais, que removeram ou alteraram 480 pontos da legislação ambiental estadual em 75 dias, não chegaram lá pela força, mas pelo voto democrático de todos.

O que a chuva deixou

Hoje, quando falamos de restauração, é bom lembrar disso, porque o passado foi pisoteado, mas o futuro não pode repetir tanta morte e dor. Ninguém em sã consciência pode pensar em reconstruir uma vida normal nessas casas onde a água e a lama invadiram; isso é suicídio, uma condenação à angústia perpétua.

Imágem POA 08/05/2024 @nasa

Uma cidade não pode voltar à normalidade quando dezenas de casas e árvores estão com suas fundações submersas na água há semanas, porque é inevitável pensar que algumas delas vão ceder e cair, ninguém sabe quando nem onde; a interdição das áreas afetadas deve, portanto, durar até que a vida normal possa ser garantida por alguém com responsabilidade criminal, caso algo aconteça.

O que não se investiu em saneamento básico nem na prevenção de desastres porque “o governo também vive outras agendas” e porque a pauta “que se impunha era a questão fiscal” (como disso o governador), ao custo de centenas de vidas, agora terá de ser investido em saúde, pois as enchentes trazem riscos imediatos e futuros à saúde das pessoas que vivem perto da zona de desastre, com infecções como leptospirose e dengue, e o ambiente com detritos e lixo aumenta o risco de acidentes com animais peçonhentos como escorpiões, aranhas e cobras, além dos entulhos.

Capitalismo utopico

“A culpa não é da chuva: ela apenas revela a insustentabilidade da gestão política e econômica da terra devido às pressões associadas à urbanização” disse Naomi Klein, jornalista e ativista social canadense no seu livro “O auge do capitalismo do desastre”.

Naomi Klein

Assim, o outro aspecto dessa realidade atual que deve ser levado em conta é a gentrificação, o processo de transformação das áreas urbanas, que encarece a vida e aprofunda a segregação socioespacial nas cidades. A gentrificação muda a paisagem urbana e o perfil social dos bairros, levando à sua revalorização no mercado e à expulsão de antigos moradores para projetos faraônicos, como a concessão administrativa do Cais Maúa, o que pode aumentar os cinturões de marginalização em áreas vulneráveis à crise climática, com ameaças mais intensas e frequentes.

 

   

Projeto Cais Mauá

Em Brasilia

Enquanto isso, o Congresso Federal avançou com 8 projetos antiambientais, e na Câmara 25 projetos estão atualmente em análise.

Confira a lista de projetos em tramitação:

PL 10273/2018: Esvazia a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental e o poder do Ibama.
PL 6049/2023: Altera as regras do Fundo Amazônia.
PL 2633/2020 e PL 510/2021: Flexibilizam as normas sobre regularização fundiária.
PL 3915/2021: Altera o marco temporal para regularização fundiária de terras da União.
PL 2550/2021: Amplia o uso da Certidão de Reconhecimento de Ocupação (CRO).
PL 5822/2019 e PL 2623/2022: Admitem exploração mineral em Unidades de Conservação (UCs).
PL 2001/2019, PL 717/2021 e PL 5028/2023: Buscam inviabilizar a criação de UCs.
PL 3087/2022: Reduz o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque.
PEC 48/2023: Acrescenta o marco temporal no art. 231 da Constituição.
PEC 59/2023: Delega ao Congresso competência para demarcação de terras indígenas.
PL 6050/2023: Flexibiliza o desenvolvimento de atividades econômicas nas terras indígenas.
PL 4546/2021: Institui política de infraestrutura hídrica desconectada da Política Nacional de Recursos Hídricos.
PEC 03/2022: Retira a propriedade exclusiva da União sobre os Terrenos de Marinha.
PLP 254/2023: Atribui à Marinha o licenciamento ambiental de empreendimentos náuticos.
PL 355/2020: Altera o Código de Mineração.
PL 3587/2023: Cria o Banco Nacional Forense de Perfis Auríferos.

Pensando o futuro

Além disso, vale lembrar que, se em novembro de 2023 as fotografias da NASA chamavam a atenção para o escoamento que as enchentes despejariam no oceano junto com os sedimentos em suspensão da Lagoa dos Patos, na foz da barra do porto de Rio Grande, hoje –Dia Mundial da Biodiversidade- deveríamos estar mais preocupados com a extensão em que essa poluição poderia alterar a biodiversidade marinha do que com o bolsão de lama que poderia ser deixado em frente ao Cassino, afetando a balneabilidade da praia.

Out. 2023@nasa

Nesta oportunidade que a vida dá a alguns de recomeçar, deveríamos refletir mais sobre como cuidamos as matas ciliares, como ou porque desmatamos; tanto quanto limpamos ou dragamos os rios e córregos onde o nosso lixo vai parar; e onde permitimos que as pessoas se estabeleçam para viver, porque é isso que elas podem ou têm para se garantir um teto sobre suas cabeças. Sem dúvida, ainda há um longo e pesado caminho pela frente, mas tenho certeza de que a memória dos que se foram abrirá caminho para aqueles que têm a responsabilidade de se reerguer.

Richar Enry Ferreira

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Produtor e documentalista, investigador, escritor, jornalista e amigo da natureza.

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