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ZONAS DE CONVERGÊNCIA – Parte 2

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Muitos dos imigrantes árabes que chegaram ao continente se estabeleceram para essas zonas onde a troca de produtos, serviços e dinheiro era mais intensa

Continuando com a análise iniciada na coluna anterior, e destacando a extemporaneidade de algumas questões relacionadas à particularidade das fronteiras, devemos ressaltar que outras cidades fronteiriças foram constituídas e cresceram de formas diferentes, mas semelhantes (entre elas Artigas, fundada em 1852; Aceguá em 1863, e Rivera em 1867), seguindo o princípio orientador do pós-colonialismo: Guardas militares estabelecidos para deter o avanço dos portugueses e combater o contrabando foram utilizados como base, ocupando assim as margens das fronteiras determinadas pelas linhas divisórias – criações imaginárias e políticas que dividem uma nação da outra, mas que não podem separar as pessoas com muros, cercas de arame farpado ou patrulhas armadas pesadas.

O cenário positivo constituído por essas novas nações ainda sem identidade própria (e, portanto, sem os conseqüentes nacionalismos extremos que levam ao chauvinismo e à discriminação), facilitou o estabelecimento desses fluxos migratórios nas fronteiras do Brasil e do Uruguai.

No Leste

Neste sentido, vale destacar a contribuição feita para a diversificação etnográfica de Chuy-Chuí – ao contrário de outras partes do país – pelos imigrantes do Oriente Médio que se estabeleceram no assentamento binacional composto pela recém-formada Chuy (reconhecida como vila em 1938) e a vila de Chuí (ainda parte do Município de Santa Vitória do Palmar), e a partir daí canalizaram suas vidas, empreenderam e se tornaram a força motriz por trás do crescimento econômico e comercial de um lugar que estava apenas nascendo.

Ninguém sabe ao certo como foi fundada a comunidade palestina do Chuí; alguns recordam a chegada do primeiro imigrante em 1955, mas em Velázquez a presença dos “turcos” já era notada em 1918. Segundo outras fontes, a força migratória mais importante chegou fugindo do conflito israelo-árabe que eclodiu em 1948, após a divisão da Palestina em dois Estados, e o agravamento do cenário geopolítico em sua área de origem em 1967, com a Guerra dos Seis Dias.

A busca

Muitos dos imigrantes árabes que chegaram ao continente se estabeleceram nos lugares onde a troca de mercadorias, serviços e dinheiro foi mais intensa; outros optaram por áreas com fácil acesso ao mar através dos portos, e outros se estabeleceram em cidades fronteiriças. A maioria deles eram palestinos, sírios e libaneses que se estabeleceram no Chuí (Brasil) e apenas alguns no lado uruguaio. E foi talvez em grande parte graças a essa força de auto-aperfeiçoamento e vontade trazida por aqueles que migraram, que em 1995 o Chuí se emancipou do município vizinho e iniciou seu processo de crescimento constante e franco em nível político, urbano e comercial, tornando-se hoje um dos pontos mais importantes do comércio regional para os empresários de ambos os lados da fronteira.

Olivo de línea divisoria

Outro aspecto admirável tem sido a coexistência religiosa nestas zonas de convergência que passamos a chamar de terceiras zonas: o Islã, o Cristianismo e vários cultos de origem afro são praticados aqui, todos coexistindo de forma tão exemplar e pacífica que tem sido objeto de colunas na imprensa internacional.

Tanto assim que em 27 de setembro de 2001, em um momento em que o mundo inteiro olhava para a presença de muçulmanos no hemisfério ocidental, a comunidade de Chuy-Chuí (formada por líderes de várias religiões, representantes políticos de todas as faixas, comerciantes de ambos os lados da fronteira e cidadãos em geral) se reuniu para uma caminhada e um evento público que fechou com o plantio de uma oliveira no canteiro central da avenida principal, como uma forma de dar ao mundo uma mensagem única e inquestionável de paz.

Anos mais tarde, em 11 de setembro de 2011, esta comunidade demonstrou novamente publicamente com outra caminhada e posterior instalação de uma placa comemorativa com a frase: “Bem-vindos a Fronteira da Paz”, aos pés da mesma oliveira plantada dez anos atrás, expressando e reafirmando mais uma vez, com o apoio de toda a sociedade Chuiense, sua convicção e desejo de paz. Neste contexto, o agora falecido ex-Prefeito de Chuí, Hamilton Silvério Lima, expressou o seguinte: “Queremos mostrar que esta fronteira é uma fronteira de paz, que as pessoas que vivem aqui são de bom coração e pacíficas, e que esperamos que o que aconteceu em 11 de setembro de 2001 não volte a acontecer”. Esta é uma manifestação de grande paz.

O Chanceler

Finalmente, não é supérfluo lembrar a importância que essas comunidades fronteiriças já tiveram para o governo nacional, especificamente quando em 19 de agosto de 2014 (no marco da chegada dos refugiados de Guantánamo ao Uruguai), o Ministro das Relações Exteriores Luis Almagro, juntamente com autoridades da Diretoria de Assuntos de Fronteira do Ministério das Relações Exteriores, visitaram Chuy e Chuí, e depois de estarem juntos com referências da comunidade árabe, ele expressou: “Desta área podem surgir os melhores elementos para a contenção social destes cidadãos, sem que eles necessariamente tenham que vir para esta fronteira”.

Quase uma década depois, e olhando para a realidade política, social e econômica atual dessas cidades “gêmeas”, qualquer mito ou lenda que pudesse ter sido insinuado em torno dos supostos laços desta comunidade com grupos extremistas violentos de natureza global parece ter sido extinto, tendo em mente que “Fuenteovejuna” mal é uma criação literária, uma vez que é quase impossível fazer de toda uma comunidade um participante e cúmplice em ações tão ousadas quanto sérias; e porque a certeza de qualquer afirmação perde veracidade e valor moral justo, o que daria credibilidade, quando as acusações vêm de controladores não controlados.

Richar Enry Ferreira

*Chuy aparece como um centro populacional no final do século XIX e foi possível determinar a data exata do primeiro assentamento. Reconhecida como vila em 1938, cidade em 1961 e cidade em 1982.

*Os primeiros árabes a se estabelecerem nesta fronteira o fizeram em 1964 (proprietários da Casa Cairo) embora antes disso houvesse vários “turcos”, que eram imigrantes de outros países europeus e até mesmo judeus que chegaram com vistos da Embaixada turca em Buenos Aires.

Publicado en Tiempo de Noticias

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Produtor e documentalista, investigador, escritor, jornalista e amigo da natureza.

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