sem atrasos innovando fronteiras

SEM ATRASOS, INNOVANDO

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Os visitantes das nossas fronteiras estão habituados a ouvir frases como: “entrem, não vos incomodaremos”, ou “sintam-se à vontade para perguntar, estamos aqui para servir”.

Aliás, quantas vezes foi gentilmente convidado para uma das muitas lojas aqui existentes, fez perguntas e acabou por comprar sem querer comprar, ou comprar coisas que não precisava realmente, ou nem sequer pensou que ia encontrar?

Estas frases comerciais, antigas e vulgares, que construíram o marketing tradicional e até contribuíram com o seu conhecimento para o actual marketing digital, contêm no entanto um conceito mais profundo, que deve ser internalizado por todos os habitantes, pelas autoridades e pelas instituições do meio ambiente. De facto, vivemos, circulamos e inter-relacionamos num ambiente altamente cosmopolita, densamente dinâmico, com uma população altamente flutuante; e, portanto, seria interessante aprender a ver esta passagem proporcionada pela BR 471 e pela Rota 9 como uma grande mina, uma grande fábrica de conhecimento, de desenvolvimento turístico, cultural e social, e já não como uma desvantagem, através da qual apenas notamos os vestígios de danos e efeitos negativos deixados pelo contrabando, pelo tráfico de droga ou mesmo pela migração.

O sonho de alguns visionários de outrora deveria ser uma questão de política estatal; não foi em vão que lutaram até ao fim com governos federais e nacionais para alcançar o que hoje conhecemos como rotas pan-americanas, interbacias e costeiras, que certamente não eram apenas para ir mais depressa, cobrar portagens ou enriquecer com multas, mas para proporcionar outro conforto aos habitantes locais, especialmente pensando no desenvolvimento que estas rotas de trânsito trariam a toda a população.

A projecção baseou-se no potencial natural que as nossas regiões possuem, e foi isso que até agora não conseguimos capitalizar com sabedoria e habilidade comercial; hoje, quando tudo está globalizado e as barreiras para o livre trânsito de pessoas, bens e serviços devem ser mais ágeis, devemos pensar em como aproveitar estas oportunidades e fazer por nós aquilo que outros não foram capazes de fazer, sem perder a graça, a simplicidade e o respeito pelo ambiente ecológico.

SEM ATRASOS INNOVANDO FRONTEIRAEstas rotas de trânsito devem ser grandes galerias de arte, pontos culturais importantes e trilhos comerciais atraentes que permitam ao viajante conhecer, aprender e satisfazer as suas necessidades apenas deitado à beira da estrada, e não apenas com pequenas bancas – como as pitorescas que acompanham a Rota 9 perto de Castillos – mas como outras comunidades conseguiram consolidar o turismo de trânsito como um bastião de desenvolvimento, crescimento económico e enriquecimento cultural.

Mas, certamente isto não será fácil ou simples, uma vez que os vestígios de danos psicológicos, sociopolíticos e morais deixados pela pós-colónia, as invasões luso-brasileiras, as revoluções e depois as ditaduras, são fortes barreiras a serem demolidas, mas não devemos deixar de tentar. Vale a pena recordar o que Dario Sztajnszrajber – filósofo, ensaísta e professor de filosofia – salienta: “É necessário pensar na globalização e na lógica do mercado quando se fala da circulação de pessoas: “turismo” em oposição aos exilados económicos e às guerras no mundo”.

Portanto, não é assim tão louco sonhar com centros populacionais construídos de braços abertos para o mundo, prontos para aprender novas línguas e tirar partido da localização geográfica privilegiada que ocupamos, com uma infra-estrutura rodoviária adequada, um cenário ambiental ainda bastante bem preservado e enfrentando uma reserva de áreas marinhas protegidas em processo de criação, o que nos poderia dar outra perspectiva global de um turismo com o nível intelectual e o poder económico necessários para valorizar e pagar as nossas costas oceânicas quase intocadas.

Então, onde ou quando podemos começar a mudar esta realidade, que nos levou a viver de costas voltadas para as estradas e para os turistas que por elas passam (uma vez que, como Halperin Donghi cita, “a experiência histórica na zona do Rio de la Plata durante o século XIX foi marcada pelo processo conflituoso de formação do Estado, e neste processo há uma notável incidência de estudiosos que desempenharam um papel activo na gestação de ideias e na tomada de decisões políticas”).

Talvez o caminho a seguir seja começar a pensar e a canalizar para a sociedade fronteiriça, organizações sociais, centros comerciais e forças políticas, a ideia de que podemos transformar a nossa sociedade sozinhos, mudando primeiro a nossa visão do estrangeiro, a nossa visão do outro, procurando a sua complementaridade, sem medo ou receio de perder a nossa identidade nacional ou local.

Diz-se que a dúvida, numa relação, fala da nossa própria insegurança; e sim, é normal que tenhamos as nossas próprias dúvidas sobre quem somos e qual é a nossa identidade, pois, para uma sociedade, dezenas e mesmo centenas de anos são pouco quando se trata de moldar uma identidade clara e definida. Mas precisamente por isso, acreditamos que este poderia ser o momento de começar a fazer a mudança intelectual, social e comercial, construindo o nosso próprio “Ser” colectivo que determina a nossa própria consciência no mundo, com todas as particularidades que nos trouxeram até aqui, com influências espanholas, portuguesas, árabes e todas as outras.

Seria bom para todos nós ter acesso a experiências de caminhadas entre praias ligando os nossos países (como os Caminos de los Faroles), ou passeios de bicicleta pela Rota 9 e BR 471 que entrelaçam amor, desporto, natureza e fraternidade fronteiriça; quão enriquecedor seria ter eventos culturais unindo artistas e obras das duas fronteiras, ou que os empresários hoteleiros e gastronómicos fizessem um esforço para fornecer serviços mais hospitaleiros e menos dispendiosos, pensando menos no lucro e mais na qualidade.

Claro que, para que isto aconteça, é importante para o Estado mudar a sua posição, tornando os mecanismos fronteiriços mais flexíveis, reduzindo as taxas de impostos, e promovendo o desenvolvimento turístico onde “um turista, um amigo” deixa de ser um slogan, e torna-se algo sentido e experimentado na carne por todos aqueles que vivem nestas inter-regiões e não encontram muitas saídas ou fontes de emprego real que lhes permitam aspirar a um nível de vida melhor e mais digno.

Richar Enry Ferreira

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Produtor e documentalista, investigador, escritor, jornalista e amigo da natureza.

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