No dia 18 de janeiro, me foram encaminhados os primeiros vídeos e algumas fotos de uma raia, a raia viola, Pseudobatos horkelii, nadando em direção à beira do mar, como se quisesse “sair da água”. Esses registros eram oriundos da região das praias da fronteira entre Uruguai e Brasil. Algumas pessoas mencionaram que as violas estavam no raso e as ondas as tiravam para fora da água, e os banhistas tentavam devolvê-las, mas elas retornavam, em direção areia, ficando com o focinho enterrado. Outros relatos indicam que nesse mesmo dia, foram observados cações anjos e várias espécies de peixes ósseos mortos, como corvina branca, espada e enguias.
Por outro lado, no dia 22 de janeiro também recebo um vídeo fotos de uma raia viola nadando na água rasa na la Playa del Cabito, em La Paloma, Departamento de Rocha, Uruguai, estendendo o registro para o Sul da região.
Quatro dias depois, no dia 22 de janeiro, recebo novas informações que indicam que na praia do Hermenegildo (Município de Santa Vitoria do Palmar, no RS) indivíduos dessa espécie são observados no raso e que pessoas as capturam com as mãos para consumir, relatando que se trata de animais vivos, mas com alguma dificuldade (como por exemplo, nado lento). Alguns pescadores relatam estômagos vazios e ausência de filhotes, nos exemplares processados para consumo próprio.
A raia viola, é um componente comum da nossa condrofauna do Sul do Brasil, e atinge um comprimento total de até 130 cm, não representa nenhum perigo para o ser humano, pois não possui ferrão, e o seu tipo de dente, é adaptado à sua dieta de moluscos, crustáceos, poliquetos e pequenos peixes. É muito importante salientar que em condições normais não é comum observar esta espécie na beira da praia.
As espécies de Pseudobatos, inclusive, habitam o ambiente bentônico da plataforma continental ao longo da sua área de distribuição, a uma profundidade mínima de 5 m.
As fêmeas da viola em particular têm um ciclo reprodutivo extremamente bem definido no espaço e no tempo, sendo que elas podem migrar desde a profundidade mínima mencionada até os 200 m de profundidade, dependendo em que fase do ciclo estas se encontrem. Nesta época, do verão as fêmeas de raias violas se aproximam da costa para parir, visto que é um peixe vivíparo, estando a sua pesca protegida por lei, pois atualmente a espécie está classificada como “Criticamente em Perigo”, de acordo com os critérios da RedList da União Internacional para a Conservação da Natureza.
De todas as fotos e os vídeos encaminhados, o que chama a atenção é que os exemplares parecem ser machos. Isto pode se concluir pela presencia dos clásperes, que são extensões cartilaginosas das nadadeiras pélvicas que podem ser facilmente observados, nos juvenis e adultos nestes casos particulares, quando o animal está nadando na beira da praia.
Porém, era de se esperar que nesta época os machos adultos estivessem aparecendo, pois eles migram em direção a costa em grande número e permanecem aí até o outono. Essa migração dos machos adultos para águas costeiras no verão ocorre em função da cópula.
Na verdade, se a observação dos machos estivesse como é de praxe, relacionada à reprodução, então se deveria observar fêmeas e machos adultos nestes registros, o que parece não ser o caso.
Ao longo dos dias e juntando as peças dos vários relatos, pode se afirmar que esses avistamentos de raias viola estão ocorrendo entre a barrado Chuí e a praia de Hermenegildo
Muitas hipóteses tem sido desde então conjeturadas sobre estas ocorrências, alguns comentam que pode ser falta de oxigênio na água, outros, que tem relação com a reprodução, o qual já foi explicado, e também há quem diga que as águas estão mais quentes, mas não temos como comprovar.
Na quinta feira dia 25 de janeiro, após conversa telefônica com Walter Norbis, Faculdade de Ciencias, Universidad de la Republica e com Graciela Fabiano (Dirección Nacional de Recursos Acuáticos- MGAP, Uruguai) chegamos à que poderia ser a nossa hipótese. É de extrema importância mencionar que os relatos dos pescadores e pessoas que entraram em contato foram fundamentais, e ao mesmo tempo, não podemos afirmar a causa, mas sim somente, formular uma hipótese.
Esta hipótese foi baseada na presença concomitante às ocorrências de raias viola mortas, de uma intensa mancha avermelhada na agua, de aspecto denso, a uma distância aproximada de 400 m da beira da praia. Em conversa com Graciela Fabiano essa mancha estaria relacionada com a floração de plâncton bioluminiscente se tratando de uma maré “vermelha” frequente no verão. A luminescência era observada com intensidade na rompente. Ela comenta que quando ocorre isso, é de se esperar que o bagre sapo espinhoso apareça morto na costa ainda quando não há uma causalidade clara que o explique. Cada vez que aparece esse tipo de mancha (as vezes vermelha, mas outras alaranjados) há mortalidade de peixes, mesmo que as águas estão aptas para o banho.
Alguns pescadores esportivos comentaram que enquanto apareciam os machos de viola na beira da praia, era também possível observar uma franja marrão na água, e que essa área manchada, era perfeitamente distinguível da água clara, entre a franja e a costa. Eles também comentaram que quando a água está clara, sai muito peixe, mas que durante esses dias, mesmo estando clara, com essa franja marrom, não houve boa pesca. Também chamou a atenção deles que quando a água está nessas condições, não só sai muito peixe, mas há muita isca disponível, de invertebrados, como moluscos e crustáceos na areia, mas que nesse dia a isca estava disponível, mas não estava saindo peixe. No dia 25 de janeiro, de acordo com os relatos dos pescadores, essa mancha já teria se dissipado, mas no Uruguai ela persiste em forma de parches a uns 50-100 m da linha da costa.
VIDEO DO RELATORIO DA POFESSORA E DOUTORA MARIA CRISTINA ODDONE
Texto redigido por Maria Cristina Oddone, Coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Chondrichthyes.
Gostaria de mencionar aos seguintes colegas que nos enviaram fotos, vídeos e relatos sobre o assunto em questão:
No Brasil: Cristiano Queiroz de Albuquerque e Cecília Irene Perez Calabuig – (Depto de Biociências, Universidade Federal Rural do Semiárido), Paula Canabarro (Centro de Recuperação de Animais Marinhos), do M
Luís Gustavo Cardoso, IO, FURG
Marcelo Dias de Mattos Burns, da ONG Grupo Especial de Estudo e Proteção do Ambiente Aquático do Rio Grande do Sul.
No Uruguai:
Richard Enry Ferreira, e autor do livro Um desastre ambiental
@undesastreambiental
@richardenry_21
E os já mencionados Walter e Graciela.
Qualquer informação, comentário ou dúvida por favor encaminhar a: mcoddone@furg.br
Produtor e documentalista, investigador, escritor, jornalista e amigo da natureza.
Estive no Hermenegildo entre os dias 26 e 29/01. Além da elevada quantidade de águas viva que chegavam na praia, nos chamou atenção uma carcaça (só a cabeça já bem apodrecida) de uma raia viola e um bagre (não sei se é o mesmo que descrito no texto acima).
Abs!
Obrigado pelo seu comentario, o mesmo será compartilhado com a Prof. Dra. María Cristina Oddone.